Os desafios que os repórteres investigativos enfrentam ao cruzar fronteiras

1 year ago 139

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Imagem: Shutterstock

Em uma era em que a corrupção, o crime financeiro e o comércio ilícito se espalham rotineiramente pelo mundo, o mesmo deve acontecer com as investigações que os descobrem. Mas um dos obstáculos menos discutidos e muitas vezes inesperados nessa busca envolve as dificuldades que os jornalistas investigativos podem enfrentar ao tentar cruzar fronteiras fisicamente.

Muitos repórteres têm histórias sobre buscas digitais intrusivas, assédio físico ou tentativas de extorsão por guardas de fronteira, mas não existe um conjunto de dados definitivo. 

Seja confrontado com corrupção ou ameaças de guardas de fronteira, ou sendo repetidamente frustrado por funcionários consulares ao solicitar um visto para participar de uma conferência, os problemas de viagem podem frustrar até mesmo os planos mais bem elaborados de um bom repórter.

Atravessar fronteiras pode ser um pesadelo para os jornalistas investigativos, principalmente na África, onde os repórteres às vezes estão sujeitos a detenções arbitrárias ou a exigências de suborno por parte dos funcionários da alfândega. Diante desses obstáculos, muitos jornalistas africanos são forçados a fazer grandes esforços para continuar reportando – inclusive escondendo sua profissão ou, em casos raros, optando por entrar ilegalmente em um país. Isso coloca sua segurança física e status profissional em um risco significativamente maior.

Além dessas ameaças potenciais, os jornalistas do Sul Global também enfrentam discriminação pérfida ao tentar viajar para o exterior. Em seu blog, a jornalista iraniana Sudabeh Rakhsh expôs os onerosos e humilhantes obstáculos adicionais que algumas mulheres jornalistas têm de enfrentar para obter – ou não – um visto em um consulado ocidental no Irã.

“Quando se trata de desigualdades, a maioria das pessoas pensa naquelas econômicas ou políticas estabelecidas. O Sul Global, no entanto, incluindo iranianos e cidadãos do Oriente Médio, está vivendo uma dupla desigualdade de oportunidades”, escreveu Rakhsh. “Quais cidadãos ocidentais já cruzaram a demorada e às vezes ofensiva barreira de obter um visto?”

Dados Esparsos, Tendências Alarmantes

Talvez o aspecto mais notável da situação dos desafios de viagem dos jornalistas seja o quão pouco se sabe. Muitos repórteres têm histórias sobre buscas digitais intrusivas, assédio físico ou tentativas de extorsão por guardas de fronteira, mas não existe um conjunto de dados definitivo.  Da mesma forma, é difícil obter dados sobre recusas de vistos específicas por região (e números precisos sobre negações de visto para profissionais da mídia são ainda mais escassos). Como resultado, olhar de forma mais ampla as rejeições de vistos em geral pode oferecer algumas dicas sobre a escala do problema.

A discriminação inexplicável contra repórteres no Sul Global na emissão de vistos está emergindo como uma questão de liberdade de imprensa.

Por exemplo, um relatório recente de um comitê parlamentar do Reino Unido sobre requerentes de vistos africanos para a Grã-Bretanha pintou um quadro alarmante do que os cidadãos do Sul Global, incluindo jornalistas, enfrentam. O comitê descobriu que os requerentes de visto de viagem africanos em geral foram recusados mais do que o dobro da taxa do resto do mundo. Da mesma forma, de acordo com uma análise das estatísticas de vistos Schengen em 2021 da Atlys.com, cidadãos de países africanos foram desproporcionalmente excluídos de viagens para a Europa, já que mais da metade de todas as solicitações de visto Schengen da Nigéria, Guiné-Bissau e Senegal foram rejeitadas em 2021 (Os vistos Schengen concedem acesso a 26 países europeus). Além disso, os requerentes da Índia foram rejeitados a uma taxa de 42% pela Suécia e 30% pela Noruega.

A simples obtenção de um visto de viagem para um evento ou conferência de notícias no Norte Global é um grande desafio para jornalistas na África, América Latina e Oriente Médio – e a discriminação inexplicável contra repórteres no Sul Global na emissão de vistos está emergindo como uma questão de liberdade de imprensa.

“Este é um problema que muitos colegas enfrentaram”, diz Troye Lund, gerente editorial do Investigative Journalism Hub (IJHub) na África Austral. “O processo de inscrição exige a apresentação de uma lista complexa de documentos, uma taxa significativa, bem como uma passagem aérea de volta paga – um itinerário e uma carta da organização anfitriã no país Schengen não são suficientes. Isso significa que se o visto for negado ou se não for emitido a tempo para o voo, a pessoa perde esse dinheiro”.

Khadija Sharife, da África do Sul, jornalista investigativa sênior do Projeto de Jornalismo sobre Corrupção e Crime Organizado (OCCRP), diz que essa discriminação geralmente visa certas nacionalidades, em vez de etnia ou religião – embora essas também desempenhem um papel. “Um candidato da Nigéria ou do Zimbábue enfrentará uma taxa de rejeição muito maior do que a da África do Sul“.

Sharife acrescenta: “Mesmo quando as coisas são feitas com perfeição, cidadãos portadores de passaportes de ‘alto risco’ podem ser recusados ​​por padrão, por razões arbitrárias que nem precisam explicar“.

Um exemplo: a GIJN certa vez contratou uma jornalista premiada do sul da Nigéria para participar de sua conferência global no Rio de Janeiro, em 2013. Um dia antes da conferência, a repórter ligou do aeroporto de Lagos aos prantos, pois a companhia aérea não a deixaria embarcar. O motivo: sua rota foi por Paris, e os franceses não permitiram que ela fizesse a conexão sem um “visto de trânsito” – um visto separado apenas para trocar de avião. (Sem tempo para obter um novo visto, a GIJN teve que redirecioná-la por Dubai – para o Rio – onde ela conseguiu chegar 24 horas depois.)

Em um artigo recente sobre “privilégio de passaporte”, o jornalista queniano Richard Oduor Oduku descreve taxas de emissão não reembolsáveis ​​de até US$ 200 e longos tempos de espera para entrevistas consulares que os jornalistas quenianos precisam enfrentar. “O processo de visto perfila, discrimina e humilha racialmente”, conclui Oduku.

Confrontos na fronteira

Even when a reporter has the proper visa or travel documents, some border crossings can be especially perilous. This risk can be amplified further if you’re an investigative journalist traveling into a country where watchdog reporting or open criticism of the government can trigger threats of detention or physical harm.

Mesmo quando um repórter tem o visto ou os documentos de viagem necessários, algumas travessias de fronteira podem ser especialmente perigosas. Esse risco pode ser ampliado ainda mais se você for um jornalista investigativo viajando para um país onde reportagens investigativas ou críticas abertas ao governo podem desencadear ameaças de detenção ou de danos físicos.

O jornalista togolês Bonaventure N’Coué Mawuvi teve problemas ao cruzar a fronteira entre Gana e a Costa do Marfim para uma reportagem. Embora ambos os países sejam signatários do acordo da CEDEAO que exige liberdade de movimento – e passagem livre –, suborno e corrupção atormentam algumas das travessias de fronteira da região há anos.

“Tive que pagar pelo carimbo no meu passaporte”, conta. “Os agentes nem recuaram quando lhes mostrei minhas credenciais de imprensa”. Mawuvi mencionou o acordo da CEDEAO. “O policial me disse para ir falar sobre liberdade de movimento com o pessoal da CEDEAO e que, aqui, nessa fronteira, ele e seus colegas estavam no comando”.

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Ibanga Isine foi preso por funcionários da imigração de Gana. Foto: Cortesia de Isine

O jornalista investigativo Ibanga Isine diz que tais condições dificultam a realização de investigações transfronteiriças na África, especialmente na África Ocidental. Enquanto investigava uma rede de tráfico humano e prostituição entre Lagos e Accra, Isine foi preso por funcionários da imigração de Gana, que ameaçaram detê-lo por ainda mais tempo se ele não pagasse uma “multa”.

“Eu disse a eles que era um conhecido jornalista investigativo no continente e que havia ganhado o prêmio CNN Multichoice African Journalist, além do prêmio Wole Soyinka em duas ocasiões”, diz ele. “No entanto, só quando um oficial sênior da imigração que eu conhecia no Aeroporto Internacional de Kotoka [de Accra] interveio que eu finalmente fui dispensado“.

Dicas básicas para viajar melhor como jornalista

Arnaud Ouédraogo, coordenador da Célula Norbert Zongo para Jornalismo Investigativo na África Ocidental (CENOZO), diz que sua organização realiza workshops para treinar jornalistas em segurança para viagens.

Recentemente, Ouédraogo viu em primeira mão o potencial de corrupção na fronteira ao entrar no Níger para cobrir o segundo turno das eleições presidenciais. Funcionários alfandegários cobravam 1.000 CFA (US$ 1,60) das pessoas do Níger, mas dobravam o preço para 2.000 CFA para pessoas de Burkina Faso. Quando os guardas de fronteira perceberam que Ouédraogo era jornalista, eles o separaram do grupo, acredita ele, para impedi-lo de testemunhar o suborno.

Uma dica de Ouédraogo: leve sempre consigo um cartão de imprensa ou identificação. Além de tornar mais fácil para os funcionários da alfândega identificá-lo – como aconteceu no caso mencionado -, também pode oferecer alguns meios de proteção. “Isso não funciona em todas as situações, mas às vezes pode ajudar”, diz ele.

Aqui estão outras práticas recomendadas para ajudar os jornalistas a viajar para o exterior para reportagens ou desenvolvimento profissional.

  • Viaje sozinho. Não é prática comum que jornalistas que viajam para o exterior a trabalho tragam cônjuges ou outros membros da família, mas é uma boa ideia deixá-los em casa ao planejar participar de um evento profissional de jornalismo. Os funcionários consulares são notórios por considerar (incorretamente) viajantes acompanhados vindo do Sul Global como sendo um risco de migração não declarada. Isso também torna a segurança física muito mais fácil.
  • Solicite vistos com antecedência. O próximo horário disponível para uma entrevista de visto em um consulado ocidental pode ser daqui muitos meses, e também pode ser necessário tempo para solicitações de documentos adicionais e para o tempo de processamento antes de seu voo de ida. Os jornalistas são conhecidos por esperar até o último minuto – não faça isso nesse caso.
  • Obtenha a documentação do evento. Se você estiver viajando para uma conferência ou bolsa de estudos, peça ao organizador do país anfitrião que escreva ao ministério ou departamento governamental relevante para descrever o objetivo e o histórico do próximo evento e alertá-los para que esperem por pedidos de visto de jornalistas profissionais de países do Sul Global. Certifique-se de obter também uma carta-convite ou confirmação de registro do organizador, incluindo seu nome conforme aparece – exatamente – no seu passaporte.
  • Mantenha os itinerários simples. Solicite o visto apenas para datas de viagem que você possa provar que são necessárias profissionalmente e solicite um visto de entrada única. Solicitar dias ou semanas além das datas indicadas para reportagens ou para participar de uma conferência pode levar à rejeição, bem como à atenção indesejada dos funcionários da imigração. Os consulados ocidentais agora tendem a conceder vistos apenas para as datas especificadas, mais alguns dias depois para cobrir quaisquer contingências de voo de retorno.
  • Não se arrisque. Não dê ao consulado do país anfitrião desculpas fáceis para recusá-lo. Certifique-se de que seu passaporte estará válido pelo período exigido após o final de sua viagem (seis meses, no caso de vistos Schengen); que você tem páginas em branco no seu passaporte; e que você tenha um seguro de viagem para cobrir imprevistos (que tende a ser surpreendentemente acessível). Se for necessária uma entrevista para o visto, reúna seus documentos cuidadosamente, ponto a ponto, seguindo as orientações do site consular. Certifique-se de incluir cópias impressas de meses de extratos bancários – não apenas resumos de contas – bem como quaisquer documentos que você possa pensar para provar seus laços financeiros e familiares com seu país de origem.
  • Conheça as leis e regulamentos locais. Embora seja improvável que você ganhe qualquer argumento legal com um guarda de fronteira armado, um viajante bem informado é menos suscetível a ser assediado. Funcionários alfandegários corruptos gostam de presas fáceis, então alguém que – educadamente – faz perguntas relevantes e parece conhecer seus direitos tem mais chances de ser visto como não valendo a pena.
  • Pratique a austeridade de dados digitais. Para evitar que funcionários bisbilhotem seus dispositivos eletrônicos e comprometam seu trabalho ou fontes, atravesse as fronteiras com o mínimo de informações digitais possível. Uma prática recomendada é armazenar seus dados com segurança em outro lugar para que possam ser baixados mais tarde no destino da viagem ou quando você voltar para casa. Além disso: não facilite para os guardas de fronteira abrirem seu telefone ou laptop deixando o acesso biométrico ativado – em vez disso, desative a impressão digital e o reconhecimento facial e certifique-se de ter uma senha alfanumérica forte. A Electronic Frontier Foundation oferece um guia para proteger seus dispositivos digitais nas passagens de fronteira.

Recursos adicionais

Censura do Estado: A Outra Proibição de Viagens

Freelancing: Seguro contra Riscos

Bolsas e subsídios para jornalistas


desafios repórteres cruzar fronteirasSinatou Saka é cofundadora da Ekôlab, uma organização sem fins lucrativos dedicada ao desenvolvimento do jornalismo na África Ocidental, e gerente de projetos editoriais da France Médias Monde, que compreende os canais de notícias France 24, a estação de rádio internacional RFI e o canal de língua árabe Monte Carlo Dualiya.

Rowan Philp, senior reporter GIJNRowan Philp é repórter sênior da GIJN. Ele já foi repórter-chefe do Sunday Times, da África do Sul. Como correspondente estrangeiro, cobriu desastres naturais que incluem as inundações de 2000 em Moçambique, o tsunami de 2004 no Sri Lanka e o terremoto de 2010 no Haiti.

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